Relacionamentos interpessoais são inevitáveis para quem trabalha em uma empresa, em times ou equipes. No entanto essa convivência de diferentes pessoas com diferentes histórias e visões de mundo pode resultar em alguns conflitos, divergências e desentendimentos.
Para superar dificuldades e solucionar problemas do tipo, organizações, empresas, escolas, movimentos sociais e governos do mundo todo têm adotado a Comunicação Não-Violenta (CNV), uma abordagem desenvolvida pelo psicólogo americano Marshall Rosenberg nos anos 1960 e que se baseia em estarmos conscientes das nossas necessidades e das dos outros, com a finalidade de falar sem machucar e ouvir sem se ofender, o que contribui com processos de facilitação de conversas profissionais, familiares e sociais.
O Blog do Sebrae/MS conversou com duas profissionais especialistas da área e o resultado você confere nesta matéria. Acompanhe.
A dor de um é a dor de muitos
De origem judaica, Marshall Rosenberg enfrentou preconceito durante sua infância. Na escola, além de palavras ofensivas, sofreu também violência física em função de sua crença religiosa. Tais vivências despertaram nele alguns questionamentos do porquê as pessoas agirem e reagirem de forma violenta a algo só porque é diferente do que elas acreditam e vivem. Anos mais tarde, já estudioso e atuante da psicologia, desenvolveu a Comunicação Não-Violenta.
“É uma comunicação principalmente voltada para a compaixão, no sentido de que, independentemente das coisas que você concorda ou discorda em relação ao outro, que você o ouça e que ele se sinta ouvido, que você consiga desenvolver uma empatia pelo ponto de vista do outro e empatia, aqui, não significa concordância, mas sim dar importância ao que ele fala, perceber os sentimentos que estão envolvidos com aquela manifestaçãoa”, explica Sálua Omais, psicóloga com formação na área de Psicologia Positiva, Criatividade e inovação, entre outras.
Um dos principais – e mais difíceis – aspectos da CNV é a capacidade de ouvir sem julgamentos e críticas, sem apontar erros ou acusações. “Marshall dizia que é uma prática de humanização das relações, capaz de nos aproximar pelo que temos em comum, o que nos une e nos torna parecidos em essência. Uma abordagem que joga luz nas soluções, ressignifica os desafios, fortalece os vínculos entre as pessoas e que tem contribuído para que elas se relacionem de forma mais saudável, considerando toda a diversidade e pluralidade que compõe nossos diferentes espaços de convivência. Dentro do contexto corporativo, a comunicação não-violenta é uma maneira de não deixar que dificuldades de relacionamento comprometam o resultado da empresa”, complementa Mariana Garcia, Especialista em Pedagogia da Cooperação e Medotologias Colaborativas e Facilitadora de processos apoiados na Comunicação Não-Violenta.
O que nos torna tão violentos?
Para Sálua, o que nos torna violentos são as nossas falas carregadas de críticas, preconceitos, estereótipos e generalizações, e isso vem da nossa criação, educação, relações familiares e até mesmo da mídia. “Algumas palavras que estão no nosso discurso, e que a gente repete sem perceber, também geram conflitos, como o “você” e o “mas”. A gente só consegue perceber quando faz a prática e começa a ver a diferença”, exemplifica.
Falar sobre a violência que nos habita é complexo, de acordo com Mariana, pois cada pessoa tem um conceito sobre esse tema. “Muita gente acha que a violência está relacionada apenas à agressividade, ao tom de voz ou a indiferença. Mas a violência pode se mostrar viva, latente ou mascarada por trás da forma como nos comunicamos. Perceber que nossas palavras aproximam ou distanciam pessoas é fundamental”, afirma.
Para compreender melhor o histórico da violência, basta olharmos para a maneira como aprendemos a nos relacionar ao longo dos tempos. Nossas bases educacionais e morais são pautadas em processos competitivos, organizadas por estruturas de poder, um tanto violentas. Neste contexto, criamos conceitos engessados de “certo e errado”, de “bom e mal”. “Aprendemos, então, a nos relacionar no campo da disputa, no qual para um ‘ganhar’, o outro tem que ‘perder’. E o que vemos hoje é que esse mecanismo rotineiro gera exclusão, separação e desconexão entre as pessoas”, esclarece Mariana.
A maneira de nos comunicarmos influencia nossas relações e impacta no ambiente de trabalho
Mariana é bem realista ao afirmar que nossos hábitos conversacionais são frágeis. “A falta de conexão nos leva a conversas desatentas, com baixa qualidade de escuta. Interrompemos e somos interrompidos a todo o momento. Nem sempre as mensagens são passadas com clareza e, frequentemente, são recebidas de forma distorcida. Esse automatismo provoca falhas na comunicação e pode impactar de forma negativa projetos e equipes inteiras nos ambientes profissionais”, comenta.
Nesse sentido, Sálua ressalta que as pessoas se acostumaram com uma comunicação acusatória e julgadora, seja nas relações de trabalho horizontais (com colegas da mesma funçãoe/ou hierarquia) ou verticais (com liderados, por exemplo). “A gente tem que ter em mente que o que e como a gente fala afeta a iniciativa, a proatividade, a força de vontade, o interesse do outro. Isso vai gerar consequências no clima organizacional, na colaboração, na produtividade. As relações precisam ser harmônicas para que as coisas andem pra frente, tenham continuidade, pra que vc possa trazer solicitações e elas sejam ouvidas, interpretadas da forma correta e acatadas”, explica.
Como empresas podem se beneficiar do desenvolvimento da CNV entre seus colaboradores
Estimular um ambiente de trabalho colaborativo com relações interpessoais saudáveis é um desafio para qualquer empresa.
A Comunicação Não-Violenta estimula a expressão autêntica, honesta e verdadeira e, ao mesmo tempo, trabalha a escuta empática, com presença ativa, tornando-se uma ferramenta poderosa para gerar grandes transformações na cultura organizacional de uma empresa. “As pessoas criam outras visões de mundo, percebem que não precisam concordar com quem pensa diferente, mas podem compreender e respeitar o ponto de vista divergente, se colocar no lugar do outro, contribuir uns com os outros, e quem sabe até encontrar pontos em comum”, explica Mariana.
Por meio de encontros conversacionais e da criação de ambientes de confiança, a CNV sustenta a conexão entre as pessoas, mesmo em situações difíceis, e contribui na gestão de conflitos e tomadas de decisão. “A raiz da CNV é criar conexão e fortalecer vínculos. Quando os colaboradores se sentem motivados a se relacionar com empatia e autenticidade, o clima organizacional melhora e, consequentemente, a produtividade individual e coletiva aumentam. Isso porque nas organizações o engajamento das pessoas está diretamente relacionado com um ambiente equilibrado, onde elas se sintam pertencentes, seguras e respeitadas”, complementa.
Paciência e vivência
Como toda mudança de cultura, o processo exige tempo para que todos os colaboradores absorvam e a nova ideia seja solidificada. “Não é de uma hora para outra, mas as pessoas têm a percepção dos efeitos disso em curto prazo, rapidamente é possível perceber algumas diferenças”, afirma Sálua.
Como estamos falando de um processo gradativo, que envolve a desconstrução da forma como aprendemos a nos comunicar, enraizadas nos nossos hábitos rotineiros, é necessário mais que paciência. O processo exige também vivência. “Não se aprende CNV só na teoria, a prática é constante, fundamental para criar musculatura emocional no dia a dia, e dessa forma sustentar boas conversas”, finaliza Mariana.
Todo empresário sabe que quem faz a empresa são as pessoas. Quanto mais cuidarmos das pessoas e das relações, mais fluída se torna a conexão de cada um com os objetivos e propósitos da empresa.