Modelo educacional propõe que disciplinas colaborem entre si e preparem o aluno para a vida adulta
Transdisciplinaridade. Termo grande e difícil de ler, mas entender o seu conceito não é tão complicado. Se você está inserido de alguma forma no contexto educacional, já deve ter ouvido falar dela e de sua importância no processo de transformação da educação que estamos vivendo.
Para entender melhor sobre esse assunto, conversamos com a professora e Doutora em Geografia, Cleonice Alexandre Le Bourlegat. Que também é docente e pesquisadora no Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Local na Universidade Católica Dom Bosco e coordenadora no Brasil do Programa Internacional Erasmus Mundus do Mestrado em Desenvolvimento Territorial Sustentável.
De acordo com a professora, a transdisciplinaridade é “uma construção de uma nova racionalidade científica para compreender e propor soluções inovadoras à atual situação de complexidade vivida no mundo”.
Apesar de estar em evidência nos últimos tempos, a expressão “transdisciplinaridade” foi usada pela primeira vez nos anos 1970 pelo educador Jean Piaget durante o I seminário Internacional sobre Pluri e Interdisciplinaridade, ocorrido na Universidade de Nice, patrocinado pelo Ministério da Educação da França e pela OCDE, com a participação de representantes de 21 países. Nasceu de um movimento “interdisciplinar”, especialmente empreendido pelos adeptos da teoria sistêmica, teoria essa que já havia sofrido avanços na primeira metade do século XX.
Entendendo o que é a transdisciplinaridade
Jean Piaget apresentou no seminário de 1970 três concepções que demonstravam o esforço de colaboração entre as diferentes áreas do saber para melhor compreender e atuar na realidade complexa. O primeiro nível desse esforço, que ele chamou de “multidisciplinaridade”, ocorre quando uma determinada área do saber requer a colaboração de duas ou mais ciências, sem propriamente interagir com elas. O segundo nível é dado pela “interdisciplinaridade”, que supõe um processo interativo ou de diálogo entre várias ciências, em um processo de enriquecimento mútuo. A “transdisciplinaridade” foi considerada o nível mais elevado desse esforço. Nesse caso, as interações são vistas no interior de um sistema total, sem fronteiras estabelecidas entre as diferentes naturezas do saber.
Erich Jantsch, também presente no seminário de 1970, ao se referir à transdisciplinaridade, definiu-a como sendo uma forma de coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinar, organizadas segundo um objetivo básico. Para esse cientista, o ensino tem por vocação possibilitar à sociedade ser seu próprio agente de inovação, se possível, o mais importante dentre eles.
Como se pode depreender, a transdisciplinaridade supõe acabar com a forma como a escola ainda separa o conhecimento em disciplinas. Com a transdisciplinaridade, a ideia é fazer com que estas possam colaborar entre si, derrubando barreiras e abrindo espaço para uma unificação sistêmica dos saberes.
Esse conceito visa conectar o ambiente da escola com o restante da sociedade. No modelo educacional vigente, esses dois “mundos” acabam ficando distanciados devido à exigência de especialização profissional. A prática da transdisciplinaridade contribui para a formação de profissionais melhor preparados para lidar não apenas com o mercado de trabalho, mas com a vida em sociedade.
Segundo Piaget, o aluno capaz de interligar as disciplinas, é levado a construir seu próprio conhecimento. Na prática interdisciplinar, ainda que não dilua as matérias, promove sua aproximação e a articulação.
Por que a forma de ensino atual não funciona mais?
De acordo com Edgar Morin, sociólogo e estudioso da transdisciplinaridade, o maior problema que a educação enfrenta hoje é o de não ensinar os jovens a se tornarem adultos e enfrentarem os problemas da vida.
As teorias e raciocínios positivistas oriundos da ciência moderna, conforme assinala esse pensador, mostraram-se insuficientes para a compreensão da complexa realidade. Baseadas na indução, dedução, no princípio mecânico (causa e efeito), na decomposição do todo para melhor compreendê-lo e na descrição das partes (mensuração e quantificação), elas vinham servindo mais especificamente para se conhecer os “fatos”. Jean Piaget declarava no seminário de 1970 que a objetividade na compreensão da complexidade do mundo não está mais no conhecimento dos “fatos” e sim nas “relações” estabelecidas entre eles.
Não há como sustentar um sistema de ensino que não consiga conscientizar os alunos desse novo cenário de alta complexidade, num mundo de diversidade com o qual é preciso aprender a interagir e propor inovações sustentáveis constantes. Com o estudo dividido em disciplinas, não há espaço para aprender a compreender o outro, o mundo em que vivemos e a identidade humana.
Em um contexto de transformações digitais, é essencial considerar que profissões novas estão surgindo e outras irão desaparecer. “Mas por outro lado, a busca da sustentabilidade dos lugares deve ser permanente, frente à aceleração dos acontecimentos, capazes de proporcionar ameaças e oportunidades às diversas realidades vividas”, explica Cleonice.
Quais as vantagens do modelo de ensino transdisciplinar
Ao proporcionar a oportunidade de aprender todas as matérias em conjunto, a transdisciplinaridade traz uma lógica e racionalidade mais ajustadas ao aprendizado. Dessa forma, o aluno pode experimentar a diversidade e a contextualizar o conhecimento, o que o ajuda a desenvolver competências para transformar a realidade em que ele se encontra.
Na educação transdisciplinar, como já mencionado, o ser humano consegue conscientizar um mundo de forma mais sistêmica e coordenada. Auxilia-o a compreender melhor como se dão os processos interativos que ajudam a explicar e oferecer respostas adequadas à estrutura e à dinâmica da realidade vivida, em sua relação com outras realidades e com o mundo. Por mais utópico que este conceito pareça, iniciativas simples já estão sendo postas em prática e que podem servir de inspiração para os educadores que buscam saídas para o ensino em tempos de transformação.